sexta-feira, 9 de outubro de 2009

MITO ou LENDA?

Muito antes de as pessoas saberem ler ou escrever, as histórias eram transmitidas oralmente. De cada vez que eram contadas, mudavam um pouco, acrescentando-se uma nova personagem aqui e uma mudança na trama acolá.
Os mitos e as lendas nasceram dessas histórias em constante mutação.
O QUE É UM MITO? Um mito é uma história tradicional que não se
baseia em algo que realmente aconteceu e, normalmente, fala de seres sobrenaturais. Os mitos são inventados, mas ajudam a explicar os
costumes locais ou os fenômenos naturais.
O QUE É UMA LENDA? A lenda assemelha-se muito ao mito. A diferença está no facto de a lenda poder basear-se num acontecimento real ou numa
pessoa que realmente existiu. O que não significa que a história não tenha mudado ao
longo dos anos.
ANTIGO EGITO
O Egito era origimariamente constituído por dois países. Há cerca de 5OOO anos, por volta de
3000 a. C., esses países tornaram-se um só. Nos
3000 anos seguintes, o Egipto foi um
dos países mais ricos e mais
poderosos do mundo.
O olho wedjat simbolizava o olho
dos deuses Rã e Hórus. Segundo o
mito, o olho de Hórusfoi arrancado, mas, como por milagre, voltou a crescer. O olho wedjat era
tido como um amuleto da sorte.
O VALE DO NILO
A maior parte do Egipto era conhecida como Terra Vermelha. Era o deserto quente e seco, e
poucas pessoas o habitavam. Quase todos os
egípcios viviam na Terra Negra, no vale do rio
Nilo, Sempre que o rio transbordava, a terra
ficava mais fértil e mais escura, razão pela qual recebeu esta denominação.
PIRÂMIDES E FARAÓS
O Egito é famoso pelas suas pirâmides, que ainda se mantêm de pé nos nossos dias. Eram
os túmulos dos antigos governantes, às vezes
chamados faraós. As pessoas acreditavam na
qualidade divina dos faraós. Os últimos foram sepultados nas colinas rochosas ou em túmulos
subterrâneos num local chamado vale dos Reis.

A ESCRITA ANTIGA Os antigos Egípcios cobriam os seus
monumentos de hieróglifos, uma linguagem escrita formada por letras e símbolos. Muitas vezes, estas letras eram esculpidas na pedra, e ainda hoje podem ser vistas. Muitas histórias eram escritas em papiro - uma espécie de papel feito de juncos entrelaçados. Chegou até nós um número surpreendente de papiros.
DECIFRAR O CÓDIGO
Só na década de 2O do século passado é que os
peritos conseguiram decifrar os hieróglifos egípcios. Antes dessa altura, os historiadores baseavam-se nos registos escritos de outras línguas, tal como o grego antigo. Os antigos Gregos tinham registos muito precisos das crenças dos antigos Egípcios.
As zonas habitadas pelos antigos Egípcios localizavam-se na Terra Negra, nos vales férteis do rio Nilo. Este encontrava-se rodeado por desertos a Terra Vermelha.
UMA LENDA MODERNA Os mitos e as lendas deste livro são todas do Antigo Egito. Existe uma outra lenda egípcia famosa, mas moderna - a maldição de Tutankámon. O túmulo de Tutankamon, um jovem rei do Antigo Egipto, foi descoberto no vale dos Reis em 1922. A busca foi financiada por um homem chamado Lord Carnarvon. Começou a correr o boato de que o túmulo estava amaldiçoado. Segundo esta lenda moderna, todas as luzes se apagaram no Cairo no momento em que Lord Carnarvon morreu e, em Inglaterra, o seu cão morreu também.

DIVINDADES Do ANTIGO EGIPTO os mitos e as lendas dos antigos Egípcios foram criados a
partir de muitos credos diferentes. Cada aldeia e cidade
adorava os seus próprios deuses e deusas. A popularidade de
alguns espalhou-se, e mais tarde as histórias desses deuses
fundiram-se para formar aquilo que conhecemos como
mitologia do Antigo Egipto.
MUITOS DEUSES, A MESMA FUNÇÃO Uma das consequências do facto de os antigos
Egípcios adorarem muitos deuses é que muitos
destes tinham os mesmos deveres. Por exemplo, havia muitos deuses do Sol. Cada deus era
adorado por um grupo diferente de pessoas e
nenhuma dessas pessoas acreditava em todos os deuses. Mais tarde, Rã tomou-se conhecido como deus do Sol e todos os demais deuses do Sol foram considerados meras manifestaçoes de Rã. os diferentes deuses fundiram-se num Só.
Em MARCHA o comércio deve ter desempenhado um
papel importante na divulgação dos mitos e
das lendas. Dado que as pessoas das diferentes partes do Egipto viajavam pela Terra Negra a vender coisas, provavelmente partilhavam as suas histórias e as suas
crenças. As pessoas começaram a ouvir falar
de diferentes deuses, deusas, mitos e lendas e assimilaram-nos.
A CRIAÇÃO Até uma coisa tão importante corno a criação da
Terra e do povo que a habitava era contada em
muitas versões diferentes. Urna das primeiras, originária da cidade de Heliópolis, dizia que Áton era o criador. Mais tarde, quando Rã se tornou o
rai is mais poderoso de todos os deuses egípcios, ele próprio se tornou o criador e - nessa forma era conhecido como Rá-Áton.
NOMES MAIS CONHECIDOS No Antigo Egipto eram adorados centenas de deuses e deusas. Segue-se uma lista dos
mais importantes.
RÁ O deus do Sol. Aparecia sob multas
formas. Muitas vezes representado corri
cabeça de falcão. Tornou-se o deus mais
importante. Os deuses com que ele se
fundiu viam acrescentada ao seu nome a palavra Rã (por exemplo Rá-Áton e Ámon-Rá).

ÁTON (mais tarde RÁ-ÁTON) "O Tudo".
O deus criador. Pai de Sliu e Tefinit.
SHU Pai de Nut, a deusa do céu. Era seu
dever mantê-la acima de Geb, a Terra, para que os dois nunca se juntassem.
TEI`NUT Irmã e mulher de Sliu. Uma deusa da Lua. Mãe de Nut e Geb.
NUT A deusa do céu, sustentada pelo pai, Sliu. Mulher de Geb. Mãe de Osíris, ísis,
Seth e Néftis.
GEB A própria Terra. Todas as plantas e
árvores cresciam nas suas costas. Marido de Nut. Pai de Osíris, ísis, Seth e Néftis.
OSíRIS Senhor dos mortos. Irmão e
marido de ísis. Pai de Hórus. Representado multas vezes com um corpo mumificado, envolto em ligaduras.
íSIS Deusa da fertilidade. Senhora da magia. Irmã e mulher de Osíris. Mãe de Hórus. Tornou-se a mais poderosa de todas as deusas e deuses.
SETH Deus do caos e da confusão. Filho mau de Geb e Nut. Lutou contra Hórus
para governar o Egipto.
HóRUS Filho de ísis e Osíris. Tinha
cabeça de falcão e corpo de humano. Lutou contra Seth para governar o Egipto.
ANúBIS Deus dos mortos, com cabeça de chacal. Assistente de Osíris.
ÁMON (mais tarde ÁMON-RÁ) Rei dos deuses na mitologia posterior, mais tarde
considerado outra manifestação de Rã.
BASTET A deusa-mãe representada por vezes como uma gata. Filha de Rã, irmã de Hátor e Seklimet.
HÁTOR Adorada como vaca. Por vezes, tomava a forma de uma leoa enfurecida.
Filha de Rã, irmã de Bastet e Sekhmet.
SEKl-IMET Filha de Rã, com cabeça de leoa, irmã de Bastet e Hátor.
NOTA Do AUTOR
Os mitos e as lendas de diferentes culturas são contados de diferentes maneiras. O objectivo deste livro é contar novas versões destas velhas histórias e não tentar apresentá-las da forma como teriam sido contadas, segundo a tradição. Podem ser lidas isoladamente, ou umas a seguir às outras, como uma história. Espero que gostem delas e que este livro vos faça querer saber mais sobre os antigos Egípcios.

Rã, o poderoso deus do Sol, fez de Osíris e ísis o rei e a rainha do Egipto. Embora fossem deuses, andavam entre os
humanos espalhando sabedoria e compreensão. Tudo teria
corrido bem, se o irmão deles, Seth, não tivesse sentido
ciúmes do seu poder.
O
povo do Egipto amava o seu rei e a sua rainha. Osíris e ísis tornavam agradável a vida do seus súbditos. Ensinavam ao povo egípcio a melhor forma de tratar da terra e levavam ao seu país a
lei e a ordem, para que todos pudessem ser tratados com justiça. Em troca, os Egípcios tomavam conhecimento dos deuses e da forma como deveriam adorá-los. As pessoas eram felizes, os deuses eram felizes e o Egipto prosperava.
Mas chegou uma altura em que Osíris decidiu que devia espalhar a
boa sorte por todos os países da Terra, não ficando apenas pelo Egipto.
- E necessário que os outros povos aprendam a tirar o melhor partido da sua terra e a viver em paz e harmonia - disse ele um dia à mulher.
- Isso é verdade, irmão e marido - concordou ísis. - Enviemos
mensageiros ao estrangeiro para espalhar a nova sobre o poder e a
sabedoria de Rã.
Osíris abanou a cabeça.
- Eu próprio tenho de fazer essa viagem - disse ele. - Se as
pessoas virem que é um deus que lhes traz essas dádivas de conhecimento e prosperidade estarão mais dispostas a aceitá-las e a melhorar as suas vidas.

Então e o nosso Povo, Os Egípcios? Quem olhará por eles enquanto
1 franzindo o sobrolho. estiveres ausente? - perguntou ísis,
Osíris pousou a mão no ombro da mulher.
- Ora, claro que serás tu, irmã. És a minha rainha. És muito amada e
respeitada, tal como eu. - Sorriu. - Deves ficar aqui e governar o nosso
reino na Minha ausência.
- Muito bem - anuiu ísis- Sabia que Osíris tinha razão. Era justo que os deuses partilhassem a sua sabedoria com os povos da Terra. E Osíris, o
rei do Egipto, era a escolha ideal para uma tarefa tão importante.
ísis estava certa de que conseguiria governar o Egipto na sua ausência, tal
como ele sugerira. Mas havia algo que a incomodava. Alguém, na verdade.
Esse alguém era o irmão de ambos, Seth. Seth nunca dissera a Osíris ou a
ísis que queria governar o Egipto - que achava injusto que o irmão tivesse
sido coroado rei, e não ele. Mas ísis sabia. Conhecia muito bem Seth. Ouvia a inveja na voz do irmão quando ele falava. Apercebia-se de que ele tentava controlar a sua ira por causa do que considerava ser uma grande injustiça.
Assim, depois dos preparativos, Osíris saiu do reino do Egipto e
começou a sua viagem pelo estrangeiro. A viagem foi longa, visitando país
após país. Entretanto, no seu palácio, ísis aguardava que Seth avançasse e
tentasse apoderar-se do trono... mas nada aconteceu.
Seth passava a maior parte do tempo no palácio com os cortesãos.
Sempre que via ísis, tratava-a com o respeito devido a uma rainha. Era bem-educado e multas vezes simpático, mas ísis não confiava nele.
O que ísis não sabia era que o ardiloso Seth travara amizade com
alguns cortesãos descontentes. Embora a vida possa ser boa, há sempre
pessoas gananciosas que querem mais. O Egipto era próspero. A vida era
boa. Porém, estes homens egoístas queriam ser ainda mais prósperos e
viver ainda melhor.
Seth explorou esta fraqueza. Fez destes cortesãos idiotas e gananciosos
os seus aliados.
- Quando for rei do Egipto, não irei esquecer os meus amigos. Quem me ajudar agora será ricamente recompensado mais tarde - sussurrou
Seth aos conspiradores num canto escuro, longe de ísis e da sala do trono.
- E quero mesmo dizer ricamente.

- Mas quem é que diz que o povo irá obedecer-te, se te apoderares do trono enquanto o teu irmão, o rei, estiver ausente? - perguntou um dos cortesãos.
- Não irei apoderar-me do trono - respondeu Seth. - Iremos esperar a ocasião. Aguardaremos que o meu irmão regresse e dar-lhe-emos as boas-vindas de braços abertos.
- E depois?
- Depois? - Seth sorriu. - Depois executaremos o meu plano!
Quando o rei Osíris regressou finalmente, todo o reino festejou. ísis, a sua rainha, foi a primeira a saudá-lo.
- Bem-vindo a casa, marido e irmão! - exclamou ela. - Tive muitas saudades tuas.
- Todos tivemos - disse Seth, saindo de trás do trono da irmã. Um sorriso maldoso pairou nos seus lábios, mas Isis pareceu ser a única a reparar nele. E não tencionava permitir que Seth estragasse uma ocasião tão feliz.
Houve danças e acrobacias, celebrações e canções. Os festejos duraram vários dias. Osíris estava de novo ao lado da mulher e no selo do seu povo. E Seth continuava a não atacar. Estava à espera... à espera que surgisse a sua oportunidade.
E ela acabou por surgir, na forma de um convite para um grande banquete que iria ter lugar no palácio real. Naquela noite, a rainha ísis não iria estar presente. Era o momento que Seth aguardara com tanta
paciência. Sem os olhos atentos da irmã para o vigiarem, poderia pôr em prática o seu plano.
Ao banquete assistiu o pequeno grupo de cortesãos descontentes que se
haviam tornado aliados de Seth. Antes de este chegar, puseram-se a falar de uma arca fabulosa que Seth recebera.
- Dizem que foi feita com as melhores madeiras pelos artesãos mais hábeis - afirmou um deles.
- Ouvi dizer que tem tanto ouro que brilha como o Sol -
acrescentou outro.

Disseram-me que era mais bela do que muitos dos tesouros do próprio rei - murmurou outro suficientemente alto para que as suas
palavras chegassem aos ouvidos de Osíris.
Quando Seth entrou na sala do banquete - propositadamente tarde para que a sua entrada fosse grandiosa - todos falavam desta fabulosa arca dourada.
- É verdade que possuis um tesouro tão belo? - perguntou Osíris.
- Sim, irmão - respondeu Seth. - Depois de comermos darei
ordens para que o tragam ao palácio.
Então começou a grande festa. Mais tarde, quando o banquete estava a chegar ao fim, um grupo de criados entrou com a arca dourada. Na sala ouviu-se um murmúrio de espanto e de deleite. A arca era realmente bela.
- Tenho uma ideia! - exclamou Seth. - Vejamos se alguém cabe na
minha arca... com a cabeça a tocar num lado e os pés no outro. Quem lá
couber melhor, pode ficar com a arca!
Porém, o que os convidados, incluindo o rei Osíris, não sabiam Iera
que a ideia de Seth fazia parte de um plano cuidadosamente elaborado.
Tal como haviam ensaiado, um dos conspiradores avançou e deitou-se
dentro da arca aberta, enquanto alguns faziam fila atrás dele, e outros encorajavam os restantes a juntarem-se a eles. Alguns eram demasiado altos
para a arca, tendo de dobrar os joelhos para lá caberem. Outros eram demasiado baixos.
Por fim, a única pessoa que ainda não tinha entrado na arca era o
próprio rei Osíris.
- Irmão! - chamou Seth. - Não te juntas à brincadeira? Osíris hesitou por um momento.
- Porque não? - respondeu ele então, com uma gargalhada. Entrou na arca e deitou-se. Ficou admirado ao ver que cabia lá dentro na perfeição. Isso não foi surpresa para Seth. Ordenara aos artesãos que construíssem a arca de acordo com as suas indicações - para que ela pudesse ser o caixão ideal para o irmão.
circundados Com os conspiradores em volta da arca para que os outros convivas
não vissem o que estava a acontecer, Seth fechou a tampa da arca,
trancou-a e selou-a com chumbo derretido. Os seus cúmplices afastaram-se
então, permitindo que todos vissem um Seth sorridente ao lado da arca.

- Não há vencedor - anunciou ele. - A arca continua a ser minha. Com isto, os seus aliados gananciosos agarraram na arca e levaram-na para fora da sala. Por dentro, a arca não tinha ar e estava tão bem selada como um túmulo. O seu tamanho ideal não permitia que Osíris dobrasse as pernas e batesse com os pés na tampa, ou levantasse os braços e batesse nos lados. Estava encurralado. Os seus gritos de socorro foram abafados e ninguém os ouviu. Então, o pouco ar que havia dentro da arca esgotou-se e, incapaz de respirar, o rei do Egipto morreu. Sem levantar um dedo contra Osíris, o seu irmão Seth assassinara-o.
A coberto da noite, o caixão falso foi levado para junto do Nilo e
atirado ao rio. Na manhã seguinte, Seth anunciou a trágica morte do irmão, e autoproclamou-se rei. Nesse mesmo dia foi coroado.
Quando a rainha ísis tomou conhecimento da morte do marido, ficou muito triste e começou a chorar. Depois, vestiu as roupas de viúva e cortou uma madeixa do seu cabelo. Mas o seu período de luto iria ter de esperar. Precisava de saber de que forma o rei Osíris
morrera e o que acontecera ao seu corpo.

Afastada do seu próprio palácio pelo novo rei, o seu malvado irmão Seth, ísis andou de aldeia em aldeia tentando descobrir a verdade do que acontecera ao
seu marido assassinado. Corriam muitos boatos, mas
ela soube finalmente a verdade por um grupo de
crianças. As crianças contaram à antiga rainha do Egipto que haviam visto
uns homens lançarem uma arca no Nilo. Era uma arca muito bela - viram-na bem à luz dos archotes - e tinham ouvido os homens vangloriarem-se de que lá dentro se encontrava o corpo do rei morto, Osíris. Quando os homens se foram embora, as crianças tinham saído das sombras e visto a arca a ser arrastada rio abaixo pela corrente.
- Então ainda há esperança! - exclamou ísis, sentindo-se invadida por uma grande alegria. Correu junto à margem do rio, seguindo a corrente, e desejando com todas as suas forças que a arca
tivesse encalhado na margem. Viajou até chegar ao mar, mas não viu sinais dela. No entanto, não estava disposta a desistir.
Ísis viajou para norte ao longo da costa e ouviu dizer que algumas pessoas tinham avistado uma estranha e bela arca a flutuar no mar.
Nunca chegou a vê-la com os seus próprios olhos, mas tinha a certeza de que a iria encontrar em breve.
A deusa viajou por vários países, seguindo os relatos da arca, até ter chegado ao reino de Biblo. Falava-se não de uma arca dourada no mar, mas sim de uma fabulosa tamargueira que crescera da noite para o dia na praia.

ísis descobriu que o rei Melcarte de Biblo mandara cortar a
tamargueira e levá-la para a cidade, a fim de a utilizar como pilar no seu
palácio. Estava convencida de que a árvore mágica devia ter algo a ver
com o caixão de Osíris, e correu até ao palácio.
Quando a deusa chegou, sentou-se num pátio junto à entrada e
esperou. É claro que podia ter usado os seus poderes para roubar o pilar e
descobrir o seu segredo. Mas não quis fazê-lo. O seu irmão Seth já abusara suficientemente do poder. Ela iria aguardar e procurar outra forma de entrar no palácio.
Não teve de esperar muito. Algumas criadas da rainha Athenais de Biblo saíram do palácio e viram ísis. Pela sua beleza e pelo seu aspecto
calcularam que ela não era dali; por isso, correram a perguntar-lhe de onde era. A sua senhora adorava saber coisas de longe, e a mulher misteriosa podia ter notícias para lhe dar.
ísis explicou-lhes que viera do Egipto. Depois ofereceu-se para pentear o cabelo de uma das criadas segundo a última moda. As suas
mãos foram tão rápidas e tão hábeis que a rapariga ficou encantada com o resultado, e pouco depois ísis tinha penteado o cabelo de todas as criadas.
- Puseste algum óleo? - perguntou uma delas. - Que cheiro
delicioso é este?
Não se tinham apercebido de que ísis, enquanto as penteava, lançara o
seu bafo sobre cada rapariga e - como era deusa e uma senhora da magia
- o divino cheiro do seu hálito ficara agarrado à pele delas.
Quando chegou a altura de regressarem ao palácio, as jovens criadas tiveram pena de partir.
- Obrigada! - agradeceram com um sorriso, correndo para a entrada.
A rainha Athenais ficou encantada com os novos penteados das suas
criadas, mas foi o cheiro que a encantou ainda mais.
- Deve ser um daqueles magníficos novos perfumes egípcios de que tanto se fala - comentou ela. - Mandem chamar imediatamente essa mulher!

Assim, Ísis, disfarçada de mulher simples, foi levada à presença da rainha que lhe pediu que penteasse e perfumasse o seu cabelo. ísis assim fez, e Athenais ficou encantada. Pediu a ísis que permanecesse ali.
Nessa noite, Isis foi até à sala onde se encontrava o pilar. Este era feito de um único tronco de uma árvore incrível que nascera na praia. Quando encostou a mão à madeira macia, percebeu de imediato o que acontecera.
O caixão do seu marido fora ter à praia e ficara preso nas raízes de uma jovem tamargueira. Embora morto, alguns dos poderes divinos de Osíris tinham de alguma forma escapado da arca selada, fazendo com que a pequena árvore se transformasse noutra gigantesca, tendo no meio o deus no seu caixão... O corpo de Osíris estava dentro daquele pilar! A chorar, ísis voltou para a cama.
Dali a pouco tempo, a rainha Athenais de Biblo afeiçoara-sejá muito a Ísis, e esta à rainha e ao seu filho bebé, de quem agora cuidava. ísis contentava-se em ficar ali no palácio, perto do corpo do seu amado marido. De dia, desempenhava o papel de ama dedicada do príncipe. À noite era uma viúva que chorava a morte do marido no seu caixão em forma de pilar.
À medida que o tempo ia passando, ísis começou a amar tanto o príncipe que não podia sequer pensar que ele iria morrer, tal como Osíris. Todas as noites levava o rapazinho adormecido até à sala do pilar. Acendia uma fogueira mágica que ardia vigorosamente com as chamas da mortalidade. Com cuidado, colocava o bebé no centro da fogueira e, a cada noite que passava, um pouco mais da sua mortalidade ia sendo queimada. Ele acabaria por poder viver para sempre.
Enquanto esperava que aquele processo se completasse, ísis transformava-se num pássaro e voava em redor do pilar que continha o corpo de Osíris dentro da arca dourada.
Intrigada e preocupada com os rumores das visitas secretas da ama à sala, a rainha Athenais entrou na sala uma noite. Gritou aterrorizada ao ver o seu filho, que parecia estar no meio das chamas. Retirou-o de lá e


segurou-o bem junto de si no momento em que ísis passava de andorinha
a ser humano.
- Feiticeira! - gritou a rainha. - Não te aproximes de mim! Percebendo o medo da rainha, a deusa apressou-se a acalmá-la.
Explicou-lhe que as chamas não magoavam a criança mas que, como ele fora arrancado da fogueira mágica, não poderia viver para sempre.
Explicou então quem era e porque estava ali.
Aliviada com o facto de o filho estar ileso, mas triste por ter quebrado o feitiço que lhe podia ter permitido viver para sempre, Athenais perguntou de que forma poderia servir a deusa ísis.
ísis pediu-lhe autorização para retirar dali o pilar, e Athenais concordou
prontamente. A deusa arrancou o tronco e tirou do seu interior o caixão.
O rei Melcarte e a rainha Athenais deram à deusa o melhor barco da
sua frota e uma tripulação que o dirigisse. Na manhã seguinte, ísis despediu-se deles e começou a sua viagem de regresso com Osíris na arca.
De novo em terra, ísis ordenou à tripulação que transportasse a arca até
ao deserto, onde ninguém pudesse vê-Ia. Depois, mandou levá-la para os
pântanos de Buto, no caso de a notícia da sua descoberta chegar aos
ouvidos de Seth. De vez em quando, abria o caixão e olhava para o corpo
de Osíris. Ele parecia tão calmo como se estivesse a dormir, e não morto.
Certa noite, enquanto ísis se encontrava a dormir, Seth apareceu no
pântano. Os seus espiões andavam por toda a parte, e fora informado do local onde a arca estava escondida.
Levantando a tampa, olhou para o corpo do irmão que tinha assassinado.
- Pareces tão perfeito - desdenhou. - Tão completo. E se a magia
da tua querida irmã for suficientemente forte para te dar vida? Podias sair
daí... Tenho de me certificar de que isso nunca irá acontecer.
Assim, retirou o corpo do caixão e cortou-o em catorze bocados. Depois espalhou os bocados por todo o Egipto.

- Agora vamos ver se a minha irmã consegue pôr-te de novo inteiro!
- exclamou ele com um sorriso maldoso nos lábios cruéis.
Quando ísis descobriu que o corpo do marido tinha desaparecido, pôs-se a gritar cheia de angústia e desespero.
Os seus gritos eram tão fortes e tão cheios de dor que chegaram aos ouvidos da irmã de ísis, Néftis, a mulher de Seth. Néftis teve tanta pena de ísis que decidiu ajudá-la a encontrar os bocados do corpo do irmão de ambas.
Esta tarefa terrível foi bastante demorada, tendo levado vários anos, mas, por fim, todos os bocados foram reunidos. Alguns dizem que Anúbis, o deus com cabeça de chacal, aJudou as irmãs. Depois, usando a sua magia, ísis fez com que o corpo de Osíris voltasse de novo ao que era.
No entanto, ísis não foi capaz de lhe dar vida. Em vez disso, Rã, o deus do Sol, fez do espírito de Osíris o senhor dos mortos no reino do Oeste. Daí em diante, quando as pessoas morriam, os seus espíritos passavam a ser julgados e a ter a oportunidade de gozar a vida depois da morte.

Apesar da morte de Osíris, Rã permitiu que ísis tivesse um
filho do rei. O seu nome era Hórus e, quando cresceu, ele
reclamou para si o direito de governar o Egipto como
herdeiro do seu pai. Seth estava furioso. Tivera de matar o seu irmão Osíris para poder ficar com o trono, e agora o filho de Osíris queria roubar-lho... Bom, com certeza não tencionava desistir sem dar luta. Se houvesse necessidade, talvez matasse também aquele rapaz. Tentara matar Hórus quando ele era bebé, e não conseguira, mas não iria falhar uma segunda vez. Entretanto, tentaria resolver aquela disputa de outra forma.
O assunto foi apresentado ao tribunal dos deuses. Todos se puseram do lado de Hórus.
- Ele tem direito ao que reclama - afirmou Sliu que, como filho mais velho de Rã, presidia ao tribunal.
- A justiça está do lado dele - concordou outro.
- Seth apoderou-se do trono à força - disse outro. - Hórus tem direito a ele.
- Então estamos todos de acordo - afirmou Sliu. Os outros deuses assentiram. - Tomem todos conhecimento que, por decisão unânime...
- Unânime? - interveio Seth. - Isso significa que todos aqui estão contra mim?
Sliti olhou em volta para os deuses e deusas reunidos.
- Sim - respondeu.
- Mas não sou eu um deus? - perguntou Seth, esboçando um
sorriso cruel.

- Com certeza. Um dos que se serve da força e da traição... Seth voltou a interromper.
- Então, eu sou um deus e digo que o trono é meu... o que significa que a decisão não é unânime.
- Tu não podes ter voz - interveio Shu. - És um dos arguidos. Foi decidido...
Como é que ousam decidir! - bramou uma voz. E desta vez não foi Seth, mas sim o próprio Rã. - Por que motivo nenhum de vocês me consultou? Não é verdade que eu sou o criador? Não é verdade que sou Khepri de manhã, Rã à tarde e Áton à noite? Não é verdade que sou o moldador das montanhas? Não é verdade que sou o senhor dos deuses?
-S... sim - respondeu Sliu, um pouco a medo.
- E no entanto não pensam em consultar-me neste assunto? -
perguntou Rã.
- Mas é tão óbvio que Hórus tem direito ao trono! - protestou ísis.
- Como se a minha irmã... a mãe dele... fosse uma testemunha imparcial! - queixou-se Seth. - Ela esteve sempre contra mim!
- É verdade o que Seth diz - declarou Rã, ainda zangado por ter sido posto de parte. Para ele devia ser também evidente que Seth não tinha razão, mas parecia decidido a aborrecer os outros. - Iremos decidir isto de outra forma!
- Como? - perguntou ísis, temerosa. O seu filho estivera prestes a conseguir aquilo a que tinha direito por nascimento. Agora, tudo corria mal. - Como podes entregar o trono do Egipto ao tio enquanto o filho e herdeiro ainda é vivo? - insistiu.
- Como é que o trono pode ser retirado a uma pessoa mais velha e entregue a um jovem? - retorquiu Rã.
e A discussão continuou, com inutos Juízes escolffidos e irritados por ambas as facções. No fim, Seth e Hórus decidiram de que forma o assunto iria ser resolvido. Tencionavam defrontar-se várias vezes, e o vencedor seria o governante do Egipto.

Durante uma luta terrível, Seth e Hórus transformaram-se em hipopótamos e lutaram no Nilo. As suas enormes bocarras ficaram presas
uma na outra. ísis, que assistia a tudo na margem, teve medo que eles se afogassem e lançou uma seta a Seth.
Infelizmente para Hórus, a mãe tinha má pontaria. A seta feriu Hórus
na perna. Isto colocou Seth em vantagem. Se ísis não tivesse voltado a
disparar, atingindo Seth, poderia ter sido o fim para Hórus.
Seth contorceu-se agonizante, a seta profundamente enfiada na carne.
- Não sou teu irmão? - gritou ele. - Como foste capaz de me fazer isto?
- O meu pai era teu irmão! - retorquiu Hórus. - Lembra-te do que lhe fizeste!
Isis, porém, teve pena de Seth e utilizou a sua magia para tirar a seta da
sua carne. O primeiro confronto chegara ao fim, sem um claro vencedor.
De outra vez, Seth encontrou Hórus a dormir junto a um oásis e
arrancou-lhe um olho - há quem diga que foram os dois - mas, graças a Hátor, a sua mulher, conseguiu reavê-lo e recuperou a visão.
E assim as lutas continuaram. Por vezes, Hórus servia-se da astúcia em vez da força. Numa dessas ocasiões, insistiu para que fizessem uma corrida de barco. Mas aquela corrida não estava destinada a ser uma corrida vulgar.
- Os barcos têm de ser feitos de pedra - disse Hórus.
- Mas isso é impossível! - protestou Seth. - Os barcos de pedra afundam-se!
- Se eu consigo fazer um barco de pedra, com certeza que o grande Seth também consegue - retorquiu Hórus cheio de astúcia.
- Muito bem - disse Seth, aceitando o desafio -, mas tens de me prometer que não usaras a magia da tua mãe. Esta luta é entre nós os dois.
- Tens a minha palavra! - ripostou Hórus, furioso com a sugestão de poder sequer pensar em pedir ajuda a ísis.
Assim, Seth afastou-se e foi construir um barco de pedra. Quando chegou à beira da água, o barco de Hórus já estava no rio. Parecia ter sido
w
esculpido numa única rocha, mas flutuava na perfeição. O seu peso assemelhava-se ao de um simples tronco.
Seth ficou impressionado, e empurrou o seu barco para o Nilo.
O barco afundou-se com ele lá dentro.


- Ganhei! - exclamou Hórus, tentando não se rir.
Soltando um bramido de fúria, Seth voltou a transformar-se em hipopótamo e atirou-se a Hórus. Quando as suas poderosas mandíbulas se
fecharam em torno do barco, ele descobriu que este não era feito de pedra
- era um barco de madeira coberto de gesso para imitar pedra.
Os deuses que estavam a observar tudo também viram isso.
- Parem já tudo! - ordenou Rã, e Seth teve de obedecer. Este último desafio foi invalidado, tal como todos os outros. Ambos tinham feito
batota: Hórus com o barco e Seth ao transformar-se em hipopótamo.
Isís usou a magia de várias maneiras para ajudar o seu filho Hórus a recuperar o trono que ela sabia pertencer-lhe por direito. Uma vez,
Transformou-se numa bela mulher e vestiu-se de viúva. Sentou-se num local
onde sabia que Seth passava. Quando este se aproximou, ela estava a chorar.
- Porque estás tão triste? - perguntou ele, fascinado com a sua beleza.
- O meu marido morreu e o nosso gado foi levado - gemeu ela.
- Conta-me o que aconteceu - pediu Seth, pondo um braço sobre os
ombros dela. Era realmente a mulher mais bela que ele alguma vez vira.
- O meu marido era pastor e, quando ele morreu, o gado e a nossa
casa passaram a pertencer ao nosso filho - chorou ísis, disfarçada. - Mas
agora um desconhecido apareceu e tirou-nos tudo. Diz que tudo lhe pertence.
Seth olhou para a mulher. Achou estranho que um simples pastor pudesse ter casado com uma mulher tão bela. Uma mulher daquelas era
digna de casar com um deus. Como é que um desconhecido podia ter feito
uma coisa daquelas?
- Como ousa um desconhecido apoderar-se do que pertencia ao teu
marido, se o filho deste ainda é vivo? - perguntou ele, furioso.
ísis riu-se e voltou a mudar de forma - desta vez transformando-se num pássaro que voou para uma árvore e piou, deliciada com a armadilha
em que o irmão fora cair.

- Então uma pessoa não devia roubar aquilo que pertence a um homem se o seu filho ainda for vivo! - exclamou ela. - Será que isso inclui o trono do Egipto? Tu próprio te condenaste, com as tuas palavras, irmão. O trono pertence a Hórus, e sabe-lo bem!
Ísis informou os outros deuses que Seth confessara, mas nem assim ele desistiu.
Alguns dizem que foi o próprio Osíris, agora Senhor dos Mortos, que acabou por obrigar os deuses a decidir a favor do seu filho e a colocá-lo no trono. Havia demónios no seu reino que apenas eram leais a Osíris - não a Rã - e ele ameaçou libertá-los na Terra, se o assunto não fosse resolvido.
Outras versões dizem que a decisão final coube a Neith. Neith era mãe de Rã, o que fazia dela a mãe do próprio criador. Ela ordenou que Hórus fosse coroado rei. Senão, faria com que os céus tombassem sobre a Terra, provocando o fim do mundo.
Depois de oitenta anos de luta, Hórus e Seth fizeram as pazes. Hórus governou um país satisfeito durante muitos anos e foi ele o antepassado de todos os faraós que se lhe seguiram.

Durante algum tempo, Rã esteve na Terra, tendo tomado uma das suas muitas formas, de modo a poder viver no
seio do seu próprio povo. Foi bastante venerado e
respeitado, até finalmente ter começado a envelhecer. E
de aspecto, Rã já não era o grande deus todo-poderoso que fora outrora. Seria ele realmente o senhor de todos os deuses, o deus
da luz e da saúde? Não tinha um ar muito saudável. Os seus ossos
eram como a prata, a pele de ouro e o cabelo da cor de lápis-lazúll -
um azul-escuro que fazia lembrar às pessoas o cabelo grisalho de um velho.
Em breve, o respeito das pessoas foi desaparecendo e, passado algum tempo, essa falta de respeito transformou-se em zombaria.
- Porque devemos respeitá-lo? - perguntavam. - Daqui a
pouco, ele desaparece. Porque temos de o honrar desta forma?
Rã ficou furioso quando ouviu a forma como era tratado pelas pessoas que ele próprio criara. Diz a lenda que os primeiros seres humanos nasceram das lágrimas que ele chorou; no entanto, agora, os seres humanos tratavam-no como se ele não fosse mais impor ante nas
suas vidas que um mero pedaço de terra.
Muitos humanos conspiravam abertamente contra ele.
Vamos destruir este velho deus para poder decidir o nosso
proprio destino - disseram. Como crianças rebeldes que se voltam
contra o próprio pai, os humanos tornaram-se os piores traidores.
Rã convocou o deus Nun, pois fora das antigas águas de Nun que o próprio Rã nascera.

- Muitos dos humanos que eu criei sentem agora por mim um grande desprezo - contou ele a Nun. - Tenciono destruí-los, mas quero pedir
primeiro a tua opinião. Achas correcto um tamanho castigo?
Os seres humanos nasceram das tuas lágrimas - disse Nun. - Não
dizes que a tua filha Hátor é o teu "Olho"? Ela não vê por ti e relata aquilo
que vê?
- Sim - anuiu Rã. - Continua.
- Então não achas que devia ser o teu olho a limpar as tuas lágrimas... a destruí-los por ti? - sugeriu Nun.
- Sim! - exclamou Rã, furioso. - Mandarei Hátor matar as pessoas
mal-agradecidas que criei... todas elas, até à última, mulheres e
crianças.
Rã ordenou a Sliu, Tefnut, Geb e Nut que fossem em segredo ao seu
palácio. Também enviou uma mensagem especial à sua filha Hátor,
informando-a de que tinha de a incumbir de uma missão importante.
Em breve, todos chegaram ao palácio, mas era dificil manter em segredo uma reunião tão importante de deuses e deusas. Correu a notícia
de que Rã mandara reunir as suas tropas.
Os homens e as mulheres que haviam falado mal dele abertamente
sentiram medo. Alguns abandonaram os seus lares e as suas famílias e
foram esconder-se nos desertos da Terra Vermelha.
- Tenciono destruir aqueles que se viraram contra mim - anunciou
Rã aos deuses. - O seu tempo na Terra está a chegar ao fim.
- Toda a humanidade, ou só aqueles que te traíram@ - perguntou um
deus.
- Todos! - exclamou Nun. - Em breve iriam virar-se contra Rã, por isso é melhor acabarmos já com eles!
- Sim! - concordou Rã, cheio de ódio. Como podiam as pessoas
ousar falar dele como se ele fosse um velho caquéctico? Ele era o criador.
Dera-lhes vida... pelo que podia facilmente tirá-la. - Cabe-te a ti fazer
isso, filha - disse ele a Hátor. - Tu tomas multas formas. Muitos
conhece m-te pela tua bondade, como deusa da Lua, ou pela tua cabeça de
vaca e olhos meigos, mas quero que assumas a tua forma mais terrível...
Transforma-te numa leoa e desmembra-os!

O castigo de Rã foi rápido e terrível. A sua filha, Hátor, agora transformada numa leoa feroz, começou a perseguir os traidores. Gostava bastante de os matar com as suas temíveis garras e de lhes arrancar a pele e os ossos com os dentes medonhos.
Em breve começara a gostar do sabor do sangue, e era-lhe indiferente quem com-
ia ou matava - homens, mulheres ou crianças, inocentes Ou culpados. Não fazia diferença. A sua missão era destruir a raça humana e ela adorava matar. Depois de um dia cheio de mortes, regressou ao palácio do pai. Estava ex austa e tinha o pêlo sujo do sangue das vítimas. -O pai deu-lhe as boas-vindas e disse-lhe que fosse descansar.
Por dentro, Rã sentia-se atormentado. Agora que as mortes tinham começado, estava arrependido. Talvez fossejusto destruir os traidores, mas sentira-se atormentado com os gritos dos moribundos inocentes. Tinham chegado até ele as orações dos seus fiéis seguidores, mas ainda assim ele permitira que a sua filha os matasse devido ao seu gosto por sangue - um gosto que ele próprio fomentara com as ordens que lhe dera. A morte não era solução. Não criara a raça humana para que agora a destruísse.
No entanto, Rã não podia voltar atrás com a sua palavra. Numa altura em que as pessoas - e talvez alguns deuses e deusas - haviam começado a duvidar da sua força e do seu poder absoluto, não podia dar-se ao luxo de mostrar fraqueza ou indecisão. Dera a Hátor as suas ordens e não podia voltar atrás. Teria de arranjar forma de salvar o que restava da humanidade enquanto Hátor dormia.
Rã sabia que não podia perder tempo. Nessa noite, chamou os seus mensageiros.
- Corram mais depressa que as sombras até ao Assuão e tragan-me Ocre
- ordenou ele, informando-os da enorme quantidade que Pretendia- (O ocre é uma espécie de terra mui 'to vermelha. Era muitas vezes usada em tintas.)


Enquanto os mensageiros cumpriam a sua missão secreta e Hátor dormia - continuando transformada em leoa e sonhando com a morte -
Rã mandou chamar o sumo sacerdote da cidade de Heliópolis.
O sumo sacerdote lançou-se aos pés do deus.
- Em que posso servir-te, poderoso Rã? - perguntou ele. Observara as mortes e sabia que o criador estava furioso com aqueles que criara.
Rã apontou para uma pilha de cestos que os mensageiros lhe haviam trazido.
- Leva aqueles cestos e manda misturar o ocre em sete mil jarros de
cerveja. Esta tarefa muito importante tem de ser concluída antes de amanhecer.
- Assim será feito - disse o sumo sacerdote, afastando-se, cheio de
pressa. Com a ajuda de um exército de escravas, a terra vermelha foi
metida nos jarros de cerveja, tornando o líquido mais espesso e vermelho.
A seguir, Rã conduziu o sumo sacerdote e as muitas escravas que transportavam os sete mil jarros. A ninguém era permitido falar ou fazer
barulho. Este exército silencioso, cumprindo sem saber uma missão que iria salvar a própria humanidade, avançava sem ruído através da noite. Por
fim, chegaram ao local que Rã tinha escolhido.
Ao nascer do dia, a um sinal do seu deus e senhor, as escravas verteram
o conteúdo dos jarros sobre a terra, e em breve se formou uma grande poça de espesso líquido vermelho.
- O vosso trabalho está terminado - disse Rã, virando-se e começando a afastar-se. - Não falem disto a ninguém.
Nessa manhã, Hátor acordou com as forças revigoradas. Como continuava sob a forma, de uma leoa assustadora, estava ansiosa por obedecer às ordens do pai e matar mais seres humanos. Isso ensiná-los-ia a
não falarem de Rã num tom desrespeitoso... embora as pessoas não pudessem ensinar esta lição aos filhos. Em breve, todos os seres humanos
estariam mortos!
O cheiro do sangue humano já estava entranhado nas suas narinas e Hátor sentia-se impaciente por começar. Correndo com a velocidade de uma leoa a

caçar, Hátor chegou ao local onde terminara no dia anterior. À sua frente
estava uma enorme poça, que parecia cheia de sangue humano.
Deliciada, começou a bebê-lo, tal como um gato bebe leite. Era bom. Bebeu mais. Só que não sabia que aquilo não era sangue, mas sim cerveja vermelha... e, deusa ou não deusa, depois de ter bebido tanta cerveja, ficou embriagada e cheia de sono.
Pouco depois, Hátor desistiu da missão de destruir a raça humana. Não tinha vontade de matar nem de beber sangue. Só lhe apetecia... dormir... Cambaleando sobre as suas enormes patas, Hátor regressou ao palácio com
um sorriso na sua cara de felino.
- Olá, filha - saudou-a Rã, e Hátor pousou a cabeça no seu colo. Deixou de pensar em mortes e dormiu um sono profundo. Rã acariciou o seu pêlo, satisfeito. A sua honra fora salva e a humanidade também.
Às vezes, quando o Nilo transborda, a água molha a terra ocre e
fica vermelha. Talvez Rã tivesse ido buscar ali a sua ideia. Ou talvez tenha feito com que isso acontecesse para não nos esquecermos de que ele podia facilmente ter-nos destruído.

Esta história assustadora fala-nos de uma sala trancada contendo um tesouro, um corpo sem cabeça e um bandido
muito esperto. Embora nunca tenha existido um faraó chamado Rampsinito, há quem acredite que esta história
pode ter sido baseada em factos reais. R
ampsinito era imensamente rico, até pelos padrões dos faraós, e o seu maior receio era que os tesouros que possuía fossem roubados. Nem as pirâmides - os túmulos dos seus antepassados -
estavam a salvo dos ladrões, apesar das suas armadilhas e passagens secretas. Por conseguinte, Rampsinito decidiu que iria mandar construir um edificio de pedra para guardar os seus bens. Mandou chamar um bom arquitecto, ordenou-lhe que desenhasse uma casa e estudou os planos até ao ínfimo pormenor antes de autorizar o inicio das obras.
Só os homens de maior confiança foram postos a trabalhar no projecto e todos eram vigiados pelo próprio arquitecto. Quando o edificio ficou completo, Rampsinito fez uma última inspecção. Era constituído por uma única sala. As paredes, o tecto e o chão eram de pedra maciça. Não haviajanelas e existia apenas uma única Porta. Satisfeito, Rampsinito mandou encher o edificio com os seus tesouros e pôs guardas à porta. Depois fechou com o seu selo a entrada, para que ninguém lá pudesse entrar sem o quebrar, revelando assim o seu crime.
O tempo foi passando e, embora fossem efectuados outros roubos pelo reino, os tesouros do faraó permaneceram a salvo

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